Sempre 
                Maluco Beleza...
                
                No limiar do Século XXI, pós-World 
                Trade Center, Bin Ladens, clonagens, Big Brother, bombas e tempestades, 
                Raul Seixas não sai de cena, está na mídia, internet, jornais, 
                fanzines, rádio, TV e nos sonhos. No momento em que o Brasil se 
                preparava para lembrar a morte do cantor e compositor, um ex-cacique 
                político foi mais rápido no gatilho: puxou uma peça discursiva 
                no combate à pobreza ao parodiar uma música do mentor da Sociedade 
                Alternativa, o profeta do rock tupiniquim:
                "Eu devia estar triste porque tive um emprego, fui um dito cidadão 
                respeitável que ganhava oito mil reais por mês. Eu devia agradecer 
                ao Senhor do Bonfim por ter tido sucesso na vida como político. 
                Eu devia estar alegre e satisfeito por morar no Lago Sul, na Península 
                dos ministros, ter 'AP' em Miami, casa em Porto Seguro e na Ilha 
                de Itaparica. Eu tenho uma porção de grandes coisas para conquistar. 
                Eu não posso ficar aí parado".
                Muitas pessoas ficaram boquiabertas com a desenvoltura do ex-mandatário. 
                Teve gente que não entendeu nada. Mas certamente o maluco beleza, 
                se estivesse vivo, iria entender. Afinal, ele mesmo dizia: "Prefiro 
                ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião 
                formada sobre tudo".
                O rebelde nato, o demolidor e anarquista por excelência, continua 
                a inspirar novas e velhas gerações. Tinha profundidade: "Sou largo, 
                raso e profundo" ou "o início, o fim e o meio". Foi influenciado 
                por Bob Dylan, Beatles, Elvis Presley, Crowley, Jerry Lee Lewis, 
                Jackson do Pandeiro, Bill Halley e Luiz Gonzaga. Era temperamental, 
                sensível, nervoso. Viveu intensamente e, por isso mesmo, morreu 
                cedo. Mas seu desejo era ser eterno. 
                Foi filósofo da Nova Era. Cavaleiro do Apocalipse. Raul Seixas 
                foi tudo. Uma mistura de niilista, estudioso, hipocondríaco, compositor 
                popular, poeta surrealista, esteta, agnóstico. E foi, antes de 
                tudo, profeta da rebeldia: "A desobediência é uma virtude necessária 
                à criatividade".
                
                Raulzito - como era chamado pelos íntimos - foi-se daqui para 
                outros palcos, mas deixou um séquito de admiradores. Tanto os 
                que tentavam imitá-lo quanto os que não tinham coragem de fazer 
                nada do que ele pregava. Nasceu na Bahia, em 28 de junho de 1945. 
                Influenciado pela subcultura do Rock formou seu primeiro conjunto 
                em 1957, em Salvador. Perambulou pela Bahia durante dez anos quando 
                cantou em boates, clubes e rádios da capital e do interior.
                Enquanto isso estudava Direito, Psicologia e Filosofia. Mas optou 
                pela música e não concluiu os cursos. Mudou-se para o Rio de Janeiro 
                em 1967, mas não conseguiu, como queria, lançar o primeiro disco. 
                Só em 1970, em trabalho conjunto com Sérgio Sampaio, Eddie Cooper 
                e Miriam Batucada, lançou o LP "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista".
                
                Iniciou uma carreira meteórica como rebelde e profeta maldito. 
                Mas tinha consistência e consciência. Admirava os repentistas 
                e cordelistas. Aprendeu inglês com os filhos dos americanos, que 
                trabalhavam na Petrobrás, na Bahia. Leu a Bíblia várias vezes. 
                E também aprendeu latim lendo Metamorfosis, de Ovídio. Leu Sartre, 
                Schopenhauer, Augusto dos Anjos, Kafka, Gregório de Matos. Considerava-se 
                um materialista dialético. Dizia que algumas vezes acreditava 
                em Deus. Lembrava da época em que foi internado em um convento 
                de padres aos 14 anos e que foi levado a um psiquiatra com prenúncio 
                de loucura.
                
                Loucuras à parte, o certo é que Raul Seixas viveu intensamente. 
                Debruçou-se no conhecimento dos livros. Bebeu na fonte da inquietação 
                dos agitados anos 60/70. Era expert em frases. Certa vez disse: 
                "Sou escritor por excelência, ator por desejo e compositor por 
                raiva". Dizia ainda: "O brasileiro não faz história, ele é um 
                espectador da história".
                
                Sobretudo, Raul se sentia um incompreendido. Reclamava da falta 
                de apoio e de reconhecimento da mídia e do sistema. E, principalmente, 
                da crítica. Sobre os críticos disse: "São uns idiotas bitolados. 
                Ficam sentados atrás de uma mesa de redação ou atrás de perguntas 
                programadas por minicassetes. Não movem uma palha porque não sabem 
                mover e quando alguém move eles não entendem. São tão perigosos 
                como dos donos do poder. São tão doentes quanto a sociedade". 
                
                Inconformado, Raul foi vitimado por revoltar-se contra um sistema 
                burocrático, tecnicista, excludente e globalizante. Mas já é lenda. 
                É espírito eterno e transcendência infinita. E, por ironia, voltou 
                à cena pelas mãos do baihuno, outrora um dos donos do poder, em 
                momento de recesso, pós-painel e pós-crise Argentina. Mas não 
                faz mal. Raul é uma estrela universol, universom, universer... 
                poeta infogaláptico, transconstelar, teluricósmico, infiniterno... 
                E os poetas, da estirpe de Raul são, acima de tudo, magnânimos, 
                permanentes e contínuos. 
                
                Lembrete: Em época de clones, genes, chips e ciclones, que 
                tal algum cientista clonar o espírito do maluco beleza? Quem se 
                habilita? O desafio está lançado...pode ser virtual ou digitextual...pois 
                Rauuuuuuuuuuuuuuuuul é inimitável...
                
                Gustavo Dourado
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