O 
                sonho inesperado
                (por Vânia Diniz)
                 
               Ele 
                estava ali a dois passos.Não poderia mais fazer mal. Eu estava 
                gloriosamente vigorosa, em meus conceitos, corajosamente defendendo 
                tudo que um dia pequenina, não pudera fazer. Ele estava alquebrado 
                pela idade, pela consciência a atormentá-lo, pela solidão em que 
                o deixara seus amigos e parentes. Seus olhos lacrimejavam cinzentos, 
                os mesmos olhos que me apavoraram um dia, as mãos que me machucaram, 
                o rosto que me fizera dar gritos de horror.
              Tudo 
                era denso naquele lugar, não existiam outras pessoas, mesmo assim 
                eu não sentia medo. Não sentia...O que conseguia divisar era uma 
                luz e uma faixa colorida que me separava de qualquer violência. 
                O céu estava fantasticamente azul, um lago manso e calmo, a superfície 
                macia, sem atritos, meus pés pela primeira vez descalços caminhavam 
                por um chão aveludado e perfeito.
              Meus 
                olhos avistavam beleza em todas as suas formas  
                e um pequeno palco centralizava o ambiente infinito. Com 
                suavidade eu dançava em movimentos cadenciados e ligeiros, sentindo 
                um aroma embriagadoramente delicioso.
              As 
                paredes de cor suave me convidavam a uma paz harmoniosa, as flores 
                vermelhas e amarelas, viçosas e frescas. Os frutos com o sabor 
                delicioso jamais experimentado.
              Circunvagueei  
                o olhar por tudo que se me apresentava , não acreditando 
                no que via, sensibilizada de uma forma desconhecida.
              E 
                quando olhei novamente o vi, alquebrado, abatido , debilitado 
                tanto exterior como interiormente. E retrocedi, há muitos anos 
                passados, eu tão pequenina, ele tão forte e cruel em seus instintos 
                os mais descontrolados possíveis. O horror que transbordava em 
                meu coração, a sensação de repulsa a me dominar e os gritos que 
                ele abafava.
              Vendo-o 
                um trapo humano senti uma pena desmedida do meu algoz , achando 
                que nenhum ser humano merecia ficar no estado que ele se encontrava. 
                Como se a dignidade humana, a coisa mais substancial da vida tivesse 
                fugido completamente dele e marcado profundamente sua alma , transparecendo 
                no físico devastado.
              Sempre 
                que pensava nele uma náusea me dilacerava mas jamais desejei presenciar 
                cena tão macabra e destruidora.
              Senti 
                o contraste da minha vida, das alegrias que se apresentavam, da 
                ternura que contornava o dia-a-dia alvissareiro que se impunha 
                todas as manhãs, das tristezas passageiras mas que faziam parte 
                do contexto do viver.
              E 
                compreendi porque tinha sobrevivido daquele dia remoto da minha 
                infância.Entendi que acima de tudo havia o sentimento verdadeiro 
                que se impõe acima de qualquer momento de desgraça ou dor.
              E 
                quando chegava a essa conclusão penalizada pela miséria moral, 
                maldade, fria indiferença, vulgaridade ou violência, abri os olhos 
                e entorpecida verifiquei que acordava de um sonho que me mostrara 
                o subconsciente a concordar com o que eu sempre pensara: que o 
                perdão é a mais bela forma de uma consciência tranqüilizadora. 
                
              Senti-me 
                intacta a submergir em minha própria alma agradecendo a força 
                que tirei dela....
                
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