Literatura 
                de Cordel
                
                Nas feiras do Nordeste, é muito comum 
                encontrar-se bancas onde são vendidos folhetos - escritos geralmente 
                em versos (sextilhas, septilhas ou décimas) - e que tratam dos 
                assuntos mais variados. Estes folhetos caracterizam a nossa literatura 
                de cordel.
                Na sua grande maioria são romances que contam estórias com a intenção 
                de entreter ou "versos de opinião", que criticam fatos ou pessoas. 
                É muito comum também encontrar-se alguns que reproduzem desafios, 
                contam as aventuras de Lampião ou a vida do Padre Cícero ou Frei 
                Damião. 
                Sob uma outra visão, podemos dizer que o Cordel é também o jornal 
                nordestino. Os desastres, as inundações, as secas, os cangaceiros, 
                as reviravoltas políticas, alimentam o caráter jornalístico dessa 
                produção, que chega a centenas de títulos por ano. 
                Para que se tenha uma idéia dessa função jornalística, basta lembrar 
                que quando Getúlio Vargas morreu, um dos poetas de cordel, mal 
                ouviu a notícia pelo rádio, começou a escrever "A lamentável morte 
                de Getúlio Vargas". 
                Entregou os originais ao meio dia e à tarde recebeu os primeiros 
                exemplares. Vendeu 70.000 em 48 horas. 
                Outro assunto que teve grande repercussão foi "O trágico romance 
                de Doca e Ângela Diniz". A "Carta do Satanás a Roberto Carlos" 
                também teve grande sucesso, inspirado na música que dizia "E que 
                tudo mais vá pro inferno!"
                Assim, a literatura de cordel, tanto pela sua parte poética, como 
                pela arte da xilogravura, constitui uma das mais interessantes 
                expressões da arte brasileira. 
                Inspirada na literatura francesa de colportage, nos romances e 
                pliegos sueltos ibéricos e na própria literatura de cordel portuguesa(*), 
                a nossa Literatura de Folhetos (ou de Cordel) nasceu e desenvolveu-se 
                no nordeste brasileiro, contando as sagas e a sabedoria do povo 
                sertanejo. Atualmente, esta manifestação popular pode ser encontrada 
                em diversos pontos do país (e não mais só nas feiras do Nordeste), 
                sempre incentivada pelas comunidades nordestinas.
              (*) A literatura 
                de cordel teve sucesso, em Portugal, entre os séculos XVI e XVIII. 
                Os textos podiam ser em verso ou prosa, não sendo invulgar tratar-se 
                de peças de teatro, e versavam os mais variados temas. Encontram-se 
                farsas, historietas, contos fantásticos, escritos de fundo histórico, 
                moralizantes, etc., não só de autores anônimos, mas também daqueles 
                que, assim, viram a sua obra vendida a preço baixo e divulgada 
                entre o povo, como Gil Vicente e Antônio José da Silva, o Judeu. 
                Exemplos conhecidos de literatura de cordel são História de Carlos 
                Magno e dos Doze Pares de França, A Princesa Magalona, História 
                de João de Calais e A Donzela Teodora. Algumas tinham origem espanhola, 
                francesa ou italiana, sendo depois adaptadas ao gosto português.
              Segundo os pesquisadores, 
                o primeiro folheto de cordel brasileiro foi publicado na Paraíba 
                por Leando Gomes de Barros, em 1893. Acredita-se, entretanto, 
                que outros poetas tenham publicado antes, como Silvino Pirauá 
                de Lima. 
                As primeiras tipografias se encontravam no Recife, e logo surgiram 
                outras na Paraíba, na capital e em Guarabira. João Melquíades 
                da Silva, de Bananeiras, é um dos primeiros poetas populares a 
                publicar na tipografia Popular Editor, em João Pessoa. 
                Apesar dos altos índices de analfabetismo, a popularização da 
                literatura de cordel foi possível porque os poetas cordelistas 
                contavam suas histórias nas feiras e praças, muitas vezes ao lado 
                de músicos. Os folhetos eram pendurados em barbantes (daí o nome 
                Cordel) ou amontoados no chão, despertando a atenção dos transeuntes. 
                Cabe ressaltar que as feiras nordestinas eram verdadeiras festas 
                para o povo do sertão, nas quais podiam, além de comprar e vender 
                seus produtos, divertir-se e se inteirar dos assuntos políticos 
                e sociais.
                Os folhetos, confeccionados em sua maioria no tamanho 11x15cm 
                ou 11x17cm e, em geral, impressos em papel de baixa qualidade, 
                tinham suas capas ilustradas com xilogravuras na década de 20. 
                Já nos anos 30 e 50, surgiam as capas com fotos de estrelas de 
                cinema americano. Atualmente, ainda mantêm o mesmo formato, embora 
                possam ser encontrados em outros tamanhos Quanto à impressão, 
                substituindo a tipografia do passado, hoje também são usadas as 
                fotocópias.
                
                Contudo, as características gráficas e temáticas dos folhetos 
                podem variar de acordo com o deslocamento da área de atuação do 
                poeta que, muitas vezes, se depara com um público de concepções 
                e comportamentos diferentes aos do matuto nordestino. Exemplo 
                disso é o cordelista Raimundo Santa Helena, tema de mestrado na 
                UFRJ e um dos expoentes hoje da Literatura de Cordel. Paraibano 
                radicado no Rio de Janeiro, Santa Helena mantém, em sua produção 
                literária, o ideário e sensibilidade das composições poéticas 
                dos folhetos nordestinos, e empenha-se, principalmente, em derrubar 
                o mito de Virgulino Ferreira, o Lampião, que teria assassinado 
                seu pai e violentado sua mãe em 1927.
                
                A 
                origem talvez seja alemã...
                
                Dois ilustres folcloristas brasileiros, Luís da Câmara Cascudo 
                e Manuel Diéges Júnior, escreveram sobre a origem da nossa literatura 
                de cordel; Cascudo, em vários ensaios e livros, sobretudo no seu 
                "Vaqueiros e Cantadores" e "Cinco Livros do Povo", e Manuel Diéges 
                Júnior especialmente no ensaio "Ciclos Temáticos na Literatura 
                de Cordel" mostraram a vinculação dos folhetos de feira, a partir 
                do século XVII, com as "folhas volantes" ou "folhas soltas", em 
                Portugal, cuja venda era privilégio de cegos, conforme informava 
                Téofilo Braga.
                
                Na Espanha, este mesmo tipo de literatura popular era chamado 
                de pliegos suletos, denominação que passou também à América Latina, 
                ao lado de hojas e corridos. Tal denominação é ainda corrente 
                na Argentina, México, Nicarágua e Peru. Segundo a folclorista 
                argentina Olga Fenandéz Lautor de Botas, citada por Diéges Júnior, 
                estas hojas ou pliegos sueltos, divulgados através de corridos, 
                envolvem narrativas tradicionais e fatos circunstanciais - exatamente 
                como a literatura de cordel brasileira.
                
                Na França, o mesmo fenômeno correspondia à littèratue de colportage 
                - literatura volante, mais dirigida ao meio rural, através do 
                occasionnels, enquanto nas cidades prevalecia o canard. Na Inglaterra, 
                folhetos semelhantes aos nossos eram correntes e denominados cocks 
                ou catchpennies, em relação aos romances e estórias imaginárias; 
                e broadsiddes, relativamente às folhas volantes sobre fatos históricos, 
                que equivaliam aos nossos folhetos de motivações circunstanciais, 
                chamados "folhetos de época" ou "acontecidos".
                Também há notícias sobre folhetos de cordel, no século XVII, na 
                Holanda, como nos séculos XV e XVI, na Alemanha Na Alemanha, os 
                folhetos tinham formato tipográfico em quarto e oitavo de quatro 
                e a dezesseis folhas. Editados em tipografias avulsas, destinavam-se 
                ao grande público, sendo vendidos em mercados, feiras, tabernas, 
                diante de igrejas e universidades. Suas capas (exatamente como 
                ainda hoje, no Nordeste brasileiro), traziam xilogravuras, fixando 
                aspectos do tema tratado. Embora a maioria dos folhetos germânicos 
                fosse em prosa, outros apareciam em versos, inclusive indicação, 
                no frontispício, para ser cantado com melodia conhecida na época. 
                Já a respeito dos panfletos holandeses ("pamflet", em holandês) 
                do século XVII, os temas tratados eram políticos, econômicos, 
                militares, quando não são terrivelmente pessoais. Um relativo 
                à Guiana, então holandesa, relata um crime, no qual estão envolvidos 
                personagens que vieram em Pernambuco. Há em versos, mais a maioria 
                é em prosa, sendo freqüente a forma de diálogos ou em conversas 
                entre várias pessoas. Uns só de uma folha; a maioria contém entre 
                10 a 20 páginas, em tipo gótico. Tudo isso mostra à evidência 
                que, embora tenhamos recebido a nossa literatura de cordel via 
                Portugal e Espanha, as fontes mais remotas dessa manifestação 
                estão bem mais recuadas no tempo e no espaço. Elas estão na Alemanha, 
                nos séculos XV e XVI, como estiveram na Holanda, Espanha, França 
                e Inglaterra do século XVII em diante.
                No Brasil - não mais se discute - a literatura de cordel nos chegou 
                através dos colonizadores lusos, em "folhas soltas" ou mesmo em 
                manuscritos. Só muito mais tarde, com o aparecimento das pequenas 
                tipografias no fim do século passado, a literatura de cordel surgiu 
                e se fixou no Nordeste como uma das peculiaridades da cultura 
                regional.
                
                Poesia 
                narrativa, popular, impressa.
                
                Num ciclo de estudos sobre literatura de cordel, realizado em 
                1976, em Fortaleza, sob o patrocínio da Universidade Federal do 
                Ceará, indagaram ao prof. Raymond Cantel, da Sorbonne, grande 
                estudioso do assunto, qual seria a definição mais compacta que 
                se poderia dar do cordel. Seria apenas - perguntamos - poesia 
                narrativa, impressa?
                Imediatamente, ele complementou: Popular. Então, aqui está a mais 
                reduzida, a mais simples definição sobre cordel: Poesia narrativa, 
                popular, impressa. Todo o acervo da literatura de cordel - cerca 
                de quatorze mil folhetos publicados, para Átila de Almeida, embora 
                outros estudiosos ampliem esse número - não tem sido outra coisa 
                sequer isto: poesia narrativa, popular impressa. De maneira que, 
                qualquer outra manifestação semelhante ao cordel, cujo conteúdo 
                divirja deste trinômio, deve ser apreciada com reserva. Não é 
                poesia de cordel autêntica. Só existe uma maneira de identificar 
                o cordel legítimo: é através da análise da ideologia que ele reflete. 
                O poeta popular nordestino é conservador, por excelência. Há que 
                examinar detidamente cada conteúdo dos folhetos, através da linguagem 
                e das idéias que ali transparecem com espontaneidade.
                Em geral, o poeta popular nordestino é católico ortodoxo. É amigo 
                do vigário, defendendo-o em todo o sentido. Por sua vez, os padres 
                prestigiam a tarefa dos poetas populares, quando não a exploram. 
                O poeta popular é sempre a favor do governo. Há mesmo um célebre 
                ditado que diz: "Contra o governo, rio cheio e pomba dura, etc..." 
                
                
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