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                vida e a Literatura de Rui Mourão
                (por José Aloise Bahia)
                
                 
              
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                literatura brasileira contemporânea, como uma literatura 
                múltipla e dinâmica, abrange uma série de 
                escritores expressivos. Muitos utilizam o espaço urbano 
                como leitmotiv para suas estórias. Entretanto, 
                poucos assumem o encantamento que determinados lugares provocam. 
                E, raros são aqueles que podem conviver de fato no seu 
                dia-a-dia, tendo como ambiente natural uma cidade centenária 
                e Patrimônio Histórico da Humanidade. É o 
                caso do mineiro Rui Mourão. E a cidade, Ouro Preto.
              Mas, antes de chegar a Ouro Preto, 
                o escritor perambulou por um bocado de localidades. A primeira 
                delas, a cidade de Bambuí, Oeste de Minas Gerais, bem perto 
                da nascente do rio São Francisco (serra da Canastra), onde 
                nasceu em 18 de abril de 1929. Com 12 anos de idade, em 1941, 
                começa o ginasial em Formiga. No segundo semestre do mesmo 
                ano, muda-se com a família para Divinópolis. Em 
                1947, precisando trabalhar para continuar os estudos, vai tentar 
                o sustento em Belo Horizonte. Onde permanece até hoje. 
                Entretanto, ainda faltam algumas histórias nesta vereda 
                lúcida e criativa para ser contadas. Uma delas e a mais 
                recente: passar os dias em Ouro Preto e as noites em Belo Horizonte. 
                Uma experiência anfíbia. De segunda a sexta indo 
                de manhã e voltando à noite, ele viaja de ônibus 
                em direção a antiga Vila Rica, onde dirige por mais 
                de 30 anos um dos principais monumentos do país: o Museu 
                da Inconfidência.
              Todas estas informações 
                e outras situações mais esclarecedoras sobre a vida 
                e a carreira premiada de ficcionista e ensaísta de Rui 
                Mourão, podem ser lidas no sexto volume da coleção 
                "Encontros com Escritores Mineiros" (Nov/2004), 
                editada pela Faculdade de Letras (FALE) da UFMG (www.fale.ufmg.br). 
                O livro foi organizado pela professora Haydée Ribeiro Couto, 
                que ressalta o valor do escritor: "Rui Mourão é 
                um autor importante não só pelo seu papel de romancista 
                e ensaísta, mas como um escritor voltado para a preservação 
                da memória de Minas e do Brasil". Vai além, 
                ao destacar a atuação no Museu da Inconfidência, 
                "As atividades de Rui Mourão são confluentes 
                e o colocam no cenário nacional e internacional". 
                Realmente, como veremos no transcorrer da nossa cronologia, Rui 
                Mourão exerceu diferentes atividades, tendo sido fundador 
                da revista Tendência (1957), junto com Affonso Ávila 
                e Fábio Lucas, foi editor do Suplemento Literário 
                do Minas Gerais e, desde 1974 assumiu a diretoria do Museu da 
                Inconfidência em Ouro Preto. Mais os prêmios literários 
                e medalhas recebidas reforçam a sua importância no 
                cenário cultural e literário nacional. A coleção 
                "Encontros com Escritores Mineiros", publicação 
                do "Projeto Integrado de Pesquisa e Acervo de Escritores 
                Mineiros da FALE" tem como objetivo sistematizar, através 
                do depoimento de seus mais significativos representantes, o perfil 
                de certa parcela da produção literária brasileira. 
                Cada volume contém o relato da vida e da experiência 
                intelectual dos autores, o comentário crítico das 
                obras publicadas, além de rico material iconográfico. 
                Pela ordem a coleção já lançou: Affonso 
                Ávila, Autran Dourado, Abgard Renault, Darcy Ribeiro, Laís 
                Corrêa de Araújo e agora Rui Mourão.
              O Exílio nos Estados 
                Unidos - Continuemos a nossa biografia. Em 1949, Rui 
                Mourão ingressa na Faculdade de Direito da UFMG. 
                Estudioso e notadamente influenciado pelos escritores que mais 
                lhe despertavam a atenção, como Franz Kafka, William 
                Faulkner, Ernest Hemingway, Machado de Assis, Mário de 
                Andrade, Graciliano Ramos e o também estreante, o colega 
                Murilo Rubião, publica no ano seguinte, em A Manhã, 
                Rio de Janeiro, na coluna da escritora Dinah Silveira de Queiroz, 
                o primeiro texto de crítica literária, sobre Sagarana 
                de Guimarães Rosa. Convidado por Fábio Lucas, colega 
                da Faculdade de Direito, passa a integrar um grupo de jovens escritores, 
                que lançariam a revista Vocação. A partir 
                de artigos e ensaios publicados em Vocação, no Suplemento 
                Literário do Diário de Minas, no suplemento Letras 
                e Artes, de A Manhã, no suplemento do Estado de São 
                Paulo, o seu trabalho começa a ser conhecido. Forma-se 
                em direito em 1953. Dois anos depois, ganha o seu primeiro prêmio 
                literário (Cidade de Belo Horizonte) com a novela As Raízes. 
                Em 1956, publica As Raízes, seu livro de estréia. 
                
              Sobre o livro Affonso Ávila 
                observa: "O que a primeira vista se sobressai em As Raízes 
                é o seu equilíbrio estrutural, é a contenção 
                nos limites da novela de uma experiência de vida bastante 
                complexa e que se desdobra em mais de uma dimensão. (...) 
                A novela se divide em duas partes, a primeira abrangendo a fase 
                de desajustamento social dos personagens e a sua revolta contra 
                a ordem ética, a segunda o período de dissolução 
                moral que então sobrevém. A primeira parte se desenvolve 
                em planos simultâneos e é nela que Rui Mourão 
                exibe todos os seus recursos técnicos. (...) A linguagem 
                do novelista acompanha o raciocínio do personagem, tipo 
                obsessivo que remorde cada pensamento e se mantém em estado 
                de permanente delírio. (...) Na segunda parte, Rui Mourão 
                imprime maior objetividade à narrativa, acelera-se o ritmo 
                de ação do personagem, o elemento estático 
                da novela - a análise psicológica - cede terreno 
                ao elemento dinâmico - a história.Com essa alteração 
                de processo, a fabulação torna-se mais viva, há 
                maior liberdade de movimento para o próprio ficcionista. 
                Ele passa também a valorizar o descritivo, detém-se 
                mais na observação de costumes. No capítulo 
                oitavo da parte final reside o momento mais alto da novela, ali 
                não seria exagero elogiar-se o vigor com que se consegue 
                estabelecer o clima de "suspense". Igualmente vigorosas 
                são as cenas desenroladas no distrito policial e nos "bas-fond" 
                belo-horizontino." (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 
                26 jan. 1957)
              Neste ano de 1957, junto com o próprio 
                Affonso Ávila e Fábio Lucas, companheiros de Vocação, 
                fundam uma nova revista: Tendência. Em 1960, assume a direção 
                da revista. Em 1961, já casado com a sra. Elza Sampaio 
                do Couto, é demitido do jornal Folha de Minas, no governo 
                de José Magalhães Pinto (UDN), oposição 
                ao PSD, que assumiu o poder no Estado de Minas Gerais. Em 1962, 
                ingressa no Correio de Minas, jornal recém-fundado. Outra 
                mudança: também se transfere para Brasília, 
                onde na condição de Auxiliar de Ensino, passa a 
                lecionar Literatura Brasileira na Universidade de Brasília 
                (UnB), criada por Darcy Ribeiro. Em 1963, torna-se Mestre em Literatura 
                Brasileira, apresentando dissertação sobre Graciliano 
                Ramos. No ano do Golpe Militar, ocupa interinamente o cargo de 
                Coordenador do Instituto Central de Letras da UnB, em substituição 
                ao romancista Cyro dos Anjos. No ano de 1965, junto com 270 professores, 
                demite-se da UnB, em repúdio às arbitrariedades 
                praticadas pela ditadura militar. Não lhe resta outro caminho 
                a não ser o exílio. Como no começo da nossa 
                narrativa, perambula novamente por outras cidades. Em 1966, desloca-se 
                para os Estados Unidos, onde vai lecionar na Tulane University, 
                em New Orleans, Louisiana, na condição de Professor 
                Visitante. Nos anos seguintes leciona na University of Houston, 
                Texas, e ministra curso de verão na Stanford University, 
                Palo Alto, Califórnia. Retorna ao Brasil em 1969, um ano 
                importante na sua carreira de escritor, ensaísta e editor.
              O Suplemento Literário 
                do Minas Gerais - De volta ao Brasil, reassume o cargo 
                de Técnico de Administração do Estado de 
                Minas Gerais, do qual se achava licenciado. É colocado 
                à disposição da Imprensa Oficial, onde vai 
                integrar a Comissão de Redação do Suplemento 
                Literário do jornal Minas Gerais, caderno literário 
                e artístico criado três anos antes, no dia três 
                de setembro de 1966 pelo editor-fundador, o amigo e escritor mineiro 
                Murilo Rubião, um dos introdutores do Realismo Mágico 
                no Brasil. Neste posto será encarregado da organização 
                dos números especiais da publicação. O destino 
                de Rui Mourão muda completamente quando é nomeado 
                editor do Suplemento Literário do Minas Gerais, em substituição 
                a Murilo Rubião, denunciado como subversivo. Entretanto, 
                é demitido do cargo, dois meses após a posse, por 
                ordem do comandante da 11a. Região de Infantaria, sediada 
                em Belo Horizonte, general Gentil Marcondes Filho. Outro fato 
                marcante em 1969 é a publicação da primeira 
                edição de Estruturas: ensaio sobre o romance de 
                Graciliano. Após o lançamento, a obra foi responsável 
                por uma mudança de rumos na crítica de Graciliano 
                Ramos, tornando-se referência básica, pois "Até 
                então se fazia análise sociológica e biográfica 
                do autor. A partir da análise estilística dos livros, 
                abriram-se novas perspectivas para o estudo de Graciliano", 
                justifica Rui Mourão.
              Em 1970, tem o primeiro contato 
                com a antiga Vila Rica. Procurando abrigo na administração 
                indireta para escapar à perseguição da ditadura, 
                a qual consideravam-no subversivo, apenas por não concordar 
                com as práticas despóticas do governo militar, é 
                admitido como diretor executivo da Fundação de Arte 
                de Ouro Preto, a convite de Murilo Rubião, que presidia 
                o orgão. No ano seguinte, ganha novamente o Prêmio 
                Cidade de Belo Horizonte com o romance Curral dos Crucificados. 
                "Uma grande metáfora", nas palavras de Affonso 
                Ávila: "Belo Horizonte-Curral-del-Rey-Cural dos Crucificados". 
                Um livro político. Um retrato real, singular e crítico. 
                Uma imagem atualizada da grande contradição estrutural 
                brasileira: o êxodo dos moradores do campo para os grandes 
                centros urbanos do país, em busca de melhores condições 
                de vida. 
              Eis o comentário de Fritz 
                Teixeira de Salles sobre a prosa de Curral dos Crucificados: "(...) 
                Mural ou sinfonia de signos polivalentes e de imagens vivas construídas 
                para expressar (revelando) o burburinho caótico, amplo 
                e tumultuado da cidade-coração do mundo contemporâneo, 
                neste livro podemos ver quais as conseqüências e as 
                renovações profundas que a colocação 
                do texto como foco da estrutura poderá acarretar e já 
                acarretou. Em o Curral dos Crucificados tudo se transforma incessantemente. 
                O texto atinge a obra e a sua estrutura; esta estremece no tumulto 
                da rua que vai e vem na sua vibração contemporânea, 
                atual e transformadora, onde tudo o que é - já era, 
                ou foi porque será. O romance brasileiro perdeu então 
                o seu caráter de corte estático, ou sincronia sem 
                diacronia - de uma paisagem imobilizada no lago tranqüila 
                de um universo que não se move e não responde." 
                (Suplemento Literário do Minas Gerais, 27 nov. 1971)
              Contradições e ironia 
                do sistema, aliás, grata satisfação: em 1972, 
                é condecorado com a Medalha do Sesquicentenário 
                da Independência pelo governo militar. No ano de 1973 publica 
                Cidade Calabouço. Uma obra literária simbólica 
                e fragmentada dentro de uma cidade sombria. Um ritual úmido 
                e subterrâneo. Uma execução, em última 
                análise, carnavalesca de um casal de retirantes nordestinos, 
                cruel, lenta e gradativa. Considerado um dos melhores livros do 
                ano pela crítica. "Um romance dionisíaco", 
                segundo Fábio Lucas (Correio do Povo, Porto Alegre, 2 de 
                abr. 1974). Ou, "Uma narrativa, onde o povo é a personagem 
                coletiva que, onipresente, ofusca, oblitera, mas, sobretudo engloba 
                e assimila todas as demais. A grandiosidade dessa personagem incomum, 
                aliada à condensação de situações 
                de clímax, confere à narrativa uma dimensão 
                de epopéia", na opinião de Astrid Cabral (Revista 
                José, Rio de Janeiro, ago. 1976). Bella Josef também 
                destaca as qualidades da ficção: "Uma narrativa 
                de predominância parodística, como esta, diminui 
                o projeto humano, baixando-lhe a estatura heróica. No sistema 
                narrativo de sua obra, Rui Mourão coloca elementos aparentemente 
                em oposição, que interrompem a narrativa. O agenciamento 
                dos pormenores num contexto de paródia, donde as exigências 
                da narrativa contrariam a continuidade, faz do leitor cúmplice, 
                frustrando o desejo de coerência, enquanto o autor lhe propõe 
                uma nova figura de ordem: o fantástico. Coloca o leitor 
                dentro do quadro do fantástico e situa a ficção 
                dentro do universo temporal do leitor."(Revista Iberoamericana, 
                USA, abr.-jun. 1975)
              Diretor do Museu da Inconfidência 
                - 1974 é um ano de reconhecimento e trabalho. 
                Rui Mourão toma posse no dia 14 de junho, no cargo de diretor 
                do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Uma administração 
                difícil no começo. Período de muitos estudos, 
                planejamentos e projetos, pouca verba, e intervenções 
                necessárias, pois o prédio exigia uma manutenção 
                especial, principalmente na conservação de peças 
                valiosas. Foram construídos dois anexos e a implementação 
                mais ágil de serviços técnicos essenciais 
                se prolongou por vários anos. O trabalho frutificou e se 
                tornou referência para um sistema que unia todos os museus 
                e casas históricas do Instituto do Patrimônio Histórico 
                e Artístico Nacional em Minas Gerais. Tanto esforço 
                em prol da preservação da memória do acervo 
                público valeu a Rui Mourão, no ano de 1978, além 
                do cargo de diretor do Museu da Inconfidência, a coordenação 
                do Grupo de Museus e Casas Históricas de Minas Gerais, 
                e, posteriormente, a coordenação do Programa Nacional 
                de Museus. Muita responsabilidade, com a qual permanece até 
                hoje. E anuncia as boas novas: "Desde da época em 
                que o presidente Getúlio Vargas em 1942 trouxe de volta 
                ao Brasil os restos mortais dos inconfidentes degredados para 
                a África, e a inauguração oficial no dia 
                16 de agosto de 1946, em comemoração ao bicentenário 
                do poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, as 
                instalações do Museu da Inconfidência não 
                sofreram alterações. Agora em 2005 vai ser a primeira 
                vez que o museu passará por uma reforma geral. Pois mesmo 
                com os anexos, o espaço se encontra pequeno para guardar 
                o acervo, os quais aumentaram em obras e qualidade, devido às 
                inúmeras aquisições, pesquisas e restaurações 
                de peças". As últimas aquisições 
                importantes foram o conjunto dos processos que tiveram curso na 
                justiça de Ouro Preto, durante os séculos XVIII 
                e XIX, os manuscritos musicais descobertos por Francisco Curt 
                Lange, pesquisador da música colonial, os Autos da Devassa 
                referentes aos réus eclesiásticos. Além dos 
                numerosos traslados da devassa de Minas Gerais e do Rio de Janeiro 
                que haviam permanecido em Portugal, como propriedade da família 
                do Conde de Galveas.
              Retomemos a saga literária: 
                em 1978, sai a 2a. edição de Cidade Calabouço. 
                Lança mais um livro em 1979, Jardim Pagão. Sobre 
                o romance, F. S. Nascimento observa: "Usando a ficção, 
                em vez do ensaio, para questionar importantes problemas da atualidade. 
                Rui Mourão faz, à sua maneira, uma obra cheia de 
                denúncias, ressaltando os instrumentos de repressão 
                ao uso da palavra, mesmo que em defesa dos postulados nacionais. 
                Diríamos que sob a plumagem de sua prosa de ficção 
                se reúnem muitos fatos que, integrando a nossa contemporaneidade, 
                haverão de mais tarde servir de subsídios aos sociólogos, 
                historiadores ou cientistas políticos do futuro que pretendam 
                estudar as repercussões de idéias possivelmente 
                reais, mas só ficcionalmente assumidas por pregadores populares 
                como Ângelo e Militão." (Estado de Minas, Belo 
                Horizonte, 13 dez. 1980)
              O ano de 1983 também lhe 
                é muito especial. Recebe a medalha comemorativa dos 75 
                anos do Museu Nacional de Belas Artes. Em outubro toma posse como 
                diretor do Museu da República, na cidade do Rio de Janeiro, 
                e publica mais um romance: Monólogo do Escorpião. 
                Edilberto Coutinho faz a seguinte apreciação favorável: 
                "Em livros anteriores, como Curral dos Crucificados, Cidade 
                Calabouço e Jardim Pagão, sentia-se muito forte, 
                no ficcionista, a presença do crítico e do ensaísta. 
                A crítica e o ensaio, porém, foram gêneros 
                que deixaram marcas profundas, no romance de Rui Mourão, 
                sem prejuízo do impacto dramático de suas narrativas. 
                Neste Monólogo do Escorpião, o ficcionista se renova, 
                recalcando o teórico, em favor de pura criação, 
                mostrando que nenhum desajuste existe em sua atividade múltipla 
                de escritor. Temos assim, em seu Monólogo do Escorpião, 
                toda a vida mineira reanimada com sopro próprio por um 
                verdadeiro artista da palavra escrita. Rui Mourão reconstrói 
                Minas Gerais (por extensão, o Brasil) a partir da reconstrução 
                do seu universo pessoal, de forma sempre convincente." (O 
                Globo, Rio de Janeiro, 3 de jul. 1983)
              Prêmios e Medalhas 
                - Nos anos seguintes recebe uma premiação 
                internacional, duas nacionais e inúmeras medalhas. Sendo 
                as principais, em 1987, a Medalha Rodrigo Mello Franco de Andrade, 
                do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico 
                Nacional e a Medalha da Ordem do Mérito Diamantinense, 
                no ano do sesquicentenário da cidade de Diamantina, Minas 
                Gerais, em 1988. Dois anos depois, em 1990, publica O Alemão 
                que Descobriu a América, ensaio sobre a pesquisa de Francisco 
                Curt Lange que, ao descobrir a obra dos compositores mineiros 
                do século XVIII, anexou 100 anos à história 
                da música no Brasil. Uma obra esclarecedora e justa homenagem 
                ao Mestre da Música, cujos manuscritos descobertos na década 
                de 1940, em suas viagens pelas Minas Gerais, fazem parte do acervo 
                do Museu da Inconfidência.
              Em 1991, recebe a Medalha Santos 
                Dumont, grau Prata, e publica Boca de Chafariz, contemplado em 
                1992 com o Troféu Francisco Igreja, da União Brasileira 
                de Escritores do Rio de Janeiro, como o melhor romance do ano. 
                Em 1994, concorrendo com 427 obras publicadas pelos principais 
                autores do continente, Boca de Chafariz é agraciado, na 
                Colômbia, com reconhecimento Especial do Premio Pegaso de 
                Literatura Latinoamérica, do Centro Regional para o Fomento 
                Del Libro em América Latina y el Caribe (CERLALC), Colômbia. 
                Boca de Chafariz é considerado por muitos críticos 
                o melhor romance de Rui Mourão, que assume e revela a sua 
                ligação afetiva com a antiga Vila Rica: "Escrevi 
                o romance Boca de Chafariz, uma estória de renascimento. 
                Renascimento da cidade-monumento contra todos os fatores que tramam 
                a sua degradação, destruição e morte. 
                Renascimento do escritor que, deixando para trás um passado 
                de criatividade que nunca o desonrou, desejava se comprometer, 
                noutro plano, com um presente de mais conseqüente renovação, 
                de ambição de maior perenidade. Ouro Preto proporcionou-me 
                talvez a aventura limite da minha carreira intelectual. Por isso 
                eu a enxergo sempre com olhar de encantamento." (Suplemento 
                Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, abr. 2004). 
                
              Outro mineiro, Affonso Romano de 
                Sant´Anna, destaca Boca de Chafariz: "Original e intrigante 
                esse romance de Rui Mourão onde o autor, que há 
                anos dirige o Museu de Ouro Preto, conta uma história fantasticamente 
                mineira: imagina Ouro Preto sendo destruída por um avassalador 
                temporal e onde figuras que se relacionam com sua história 
                voltam para salvá-la. Misturam-se surrealisticamente Aleijadinho 
                e Rodrigo Mello Franco, Tiradentes e Aloísio Magalhães, 
                os inconfidentes, Guignard, Tarquínio de Oliveira, Edson 
                Mota, Jair Inácio e muitas outras personagens vivas e mortas 
                numa carnavalização da história. É 
                uma narrativa histórica, onde sobretudo os mineiros voltarão 
                aos subterrâneos de sua alma." (O Globo, Rio de Janeiro, 
                29 jan. 1992)
              No ano de 1995, relança uma 
                nova versão, atualizada, do livro Museu da Inconfidência 
                (publicado, inicialmente, em 1984, com a contribuição 
                do historiador Francisco Iglésias), com a colaboração 
                de vários professores, historiadores e críticos 
                de artes plásticas. Em 1996, mais um romance: Servidão 
                em Família. O foco muda de lugar: o cenário é 
                a capital mineira. Despindo a alma dos personagens, desmascarando 
                a tão falada tradicional família, e tocando na questão 
                principal de todo o sistema: o dinheiro. Como examina num olhar 
                afiado o escritor Duílio Gomes: "Servidão em 
                Família é o retrato sem retoques de uma instituição 
                falida. (...) O texto elegante e reflexivo de Rui Mourão 
                passeia pela insensatez e por uma Belo Horizonte dividida entre 
                os muitos ricos e os sem nada. O confronto entre classes sociais 
                é patético. Madame Bovary parece ter sido o modelo 
                no qual se inspirou o autor para compor sua tresloucada personagem 
                feminina. E Sêneca - que nem sequer é citado no livro 
                - poderia estar na epígrafe com a sua máxima ´uma 
                grande fortuna é uma grande servidão´." 
                (Estado de Minas, Belo Horizonte, 23 jan. 1997) 
              Em 2001, mais um livro: Invasões 
                no Carrossel. Em 2002, mais um prêmio: o Jabuti da Academia 
                Brasileira de Letras, como o melhor livro-ficção 
                do ano de 2001. Agora, a temática é mais contemporânea. 
                Como analisa Cláudio Leitão: "O guerrilheiro 
                Carlos Lamarca, nome de impacto na história recente do 
                Brasil, é personagem de Invasões no Carrossel, de 
                Rui Mourão, ensaísta e romancista premiado com Boca 
                de Chafariz (1992). Morto pelas forças oficiais, inicia 
                e encerra a narração reflexiva, para contar a morte 
                da amante e a sua própria morte. Fernando Collor de Mello 
                é o outro nome que se transfunde em personagens de ficção 
                nesse mesmo carrossel de vozes giratórias. O tom é 
                cambiante e profético. O livro abrange a campanha, o curto 
                mandado presidencial e a deposição de Collor e seus 
                aliados. Nomes conhecidos e inventados tornam-se igualmente personagens. 
                Realidade e ficção querem se fundir. (...) Fantástico, 
                absurdo e ´nonsense´ são recursos encontrados 
                em equilíbrio, no plano do romance. Na fatura da obra, 
                o uso de cartas, diários e toda a sorte de escrita pessoal 
                encontrada em romances como ´Crônica da Casa Assassinada´, 
                de Lúcio Cardoso, e ´Boquinhas Pintadas´, de 
                Manuel Puig, é material reciclado com êxito por Mourão." 
                (Jornal de Resenhas, Folha de S. Paulo, 10 ago. 2002) 
              O cruzamento das linhas do processo 
                criativo de Rui Mourão atravessa o universo de Minas Gerais 
                e deságua no Brasil. Desde a remota Bambuí, onde 
                nasceu, Formiga, Divinópolis, Belo Horizonte ou a barroca 
                Ouro Preto. Cidades-Mundos, por onde passou e ainda passa; e na 
                sua trajetória biográfica como bom morador das Alterosas, 
                enxerga e repara bem de perto o povo, identifica-se com os seus 
                temores, seus conflitos, suas esperanças, e, o principal: 
                seus causos e a boa prosa. Navegando por terra observa as montanhas 
                e o céu. Na confluência do horizonte, uma inquietude 
                sadia e o amadurecimento intelectual, apontam novas reflexões, 
                novas perspectivas, sem nunca perder o prumo das palavras. Em 
                tempo algum renuncia o extremo cuidado com que trata a língua. 
                Desta fonte, e como assinala o jornalista Alécio Cunha, 
                "Catando o pó cósmico da história", 
                a travessia ligeira e de bom passo do escritor Rui Mourão, 
                para o deleite, nos oferece um banquete de livros, capaz de prender 
                a atenção e sempre nos revitalizar, nos sacudir 
                nas poltronas. O ponto máximo da ficção apresenta-se 
                na forma de artifícios destemidos em seus jogos de linguagens 
                num processo criativo, marcado por um eterno jogo de idéias, 
                com exercícios polifônicos infinitos. Que nos surpreende 
                do início ao fim. A qualidade da sua ficção 
                e ensaios é dignamente a confirmação da presença 
                emancipada e a procura de vasos comunicantes férteis e 
                dilatadores para um intelectual de várias facetas. A sua 
                presença mineira celebra o encontro de vários personagens 
                em obras imaginativas, sempre em expansão, migrantes e 
                cinéticas. Dotadas de uma prolongada sede de liberdade, 
                onde os leitores, com certeza, a partir de seus apontamentos atuais 
                feitos nas viagens de idas e vindas, de ônibus, diariamente 
                entre Belo Horizonte e Ouro Preto, receberão aquilo que 
                é do reino da boa literatura: o domínio da técnica, 
                as metáforas elaboradas, a ficção exigente, 
                a escrita expressiva, ousada, fantástica, gerativa de sentidos 
                amplificados e o mais notável: a emoção. 
                Impressionante, perturbada, abrasadora - que detesta todo e qualquer 
                tipo de aprisionamento. Ambiciosa, perceptiva e alicerçada 
                na tradição e na consciência de um passado 
                rico e reflexivo, com raízes firmes, moderna e viva neste 
                mundo de culturas híbridas.
                
                
 
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                
                José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista e 
                escritor. Pós-graduado em Jornalismo Contemporâneo. Autor de Pavios 
                Curtos (no prelo pela anomelivror). josealoise@aol.com
                
                
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