As 
                covas de Franco
                (por Antonio Júnior)
                 
               Mais de sessenta anos 
                do final da Guerra Civil e quase trinta da morte do General Franco, 
                passando pela libertária “movida madrilenha” e a complexa Uniao 
                Européia, os espanhós expoem suas feridas através de livros, filmes, 
                documentários na tevê e espaço na mídia impressa. Um dessas feridas 
                mais dolorosas, alerta para um número macabro: trinta e cinco 
                mil pessoas assassinadas pelo regime franquista durante e depois 
                da guerra da década de 30, e enterradas em fossas coletivas e 
                anônimas. Superando a dor, o medo e o silêncio, os parentes exigem 
                os restos dos cadáveres, para que sejam resgatados e identificados 
                por legistas e antropólogos. O poeta Federico García Lorca, o 
                símbolo de todos os mártires do fascismo em Espanha, decompoe-se 
                numa dessas covas infames. Segundo Ian Gibson, na sua excepcional 
                biografia sobre o autor de “A Casa de Bernarda Alba”, um dos crimimosos, 
                Juan Luís Trescastro, “alardeaba ruidosamente de haber participado 
                no sólo en la detención, sino en la muerte de Lorca. “Acabamos 
                de matar a García Lorca – se jactaba la mañana del asesinato -. 
                Yo lo metí dos tiros por el culo, por maricón”. Mesmo assim, pediu 
                ao pai do poeta uma considerável quantia para salvá-lo da morte 
                certa. O rico senhor, iludido que o filho ainda vivia, desembolsou 
                o resgate pedido. O cemitério invisível de Lorca, no campo granadino 
                de Alfacar, visitado pela escritora Marguerite Yourcenar, recebeu 
                dela tais palavras: “Nao se pode imaginar uma sepultura mais formosa 
                para um poeta”. Nao é o que todo mundo pensa. Com o apoio de escritores, 
                atores, cineastas e músicos, associaçoes para a recuperaçao da 
                memória histórica organizam atos solidários contra a impunidade, 
                pedindo os meios necessários para exumar, identificar, praticar 
                provas legistas e entregar as famílias os restos da vítima. É 
                uma luta heroíca contra o esquecimento amargo e injusto. Algo 
                assim deveria ser reabilitado no Brasil. Seria impagável ouvir 
                artistas recordando os anos de chumbo; desaparecidos lembrados, 
                assim como os carrascos; censuradas obras literárias, musicais 
                e teatrais relançadas, independente do valor artístico. É mais 
                fácil esquecer o passado ingrato, mas muito mais valente enfrentar 
                os fantasmas, para que as ditaduras e seus massacres monstruosos 
                nao contaminem o presente. Todo mundo sabe disso, nao é novidade, 
                e mesmo assim as novas geraçoes nao sao esclarecidas sobre o passado 
                recente – só para nao ir além do sanguinário século 20. O escritor 
                inglês Martim Amis, que faz parte do meu livro “ArtePalavra – 
                Conversas no Velho Mundo”, acredita na memória, provocando celeuma 
                com “Koba el Temible”, lançado recentemente para o leitor espanhol. 
                Trata-se de uma coleçao de observaçoes e testemunhos ao redor 
                de uma idéia central: os inimagináveis extremos que o totalitarismo 
                estalinista foi capaz de chegar. O cruel (qual deles nao é?) ditador 
                soviético Stalin, entre outras barbaridades, ceifou vidas de escritores 
                e poetas fantásticos. Assim como Franco enfiou dois tiros no cu 
                de Lorca. Lorca está morto, enterrado (e talvez desenterrado em 
                breve) e vive em livros, na imprensa, nao somente devido ao talento 
                inquestionável (é o melhor poeta em língua hispânica, me perdoe 
                os fas de Neruda), como também ao assassinato bizarro. Sou daqueles 
                crentes que o esquecimento nao é o contrário do rancor, só é o 
                contrário da memória. Na Andaluzia, a cada imigrante africano 
                detido ou afogado na difícil travessia do Estreito de Gibraltar, 
                recordo dos 90 mil mouros expulsos da regiao e outros tantos massacrados 
                em intermináveis batalhas no século 13. Uma barbaridade pouco 
                recordada. Os heróis da história geralmente levam a marca da embromaçao 
                oficial e patriotismo cheira a fanatismo e sangue. O mundo é para 
                todos. O importante é respeitar e compreender. Desenterrar atrocidades 
                é uma boa forma de abrir a boca, pedir paz, formar uma corrente 
                poliglota por um mundo melhor. Ou a humanidade, prisioneira do 
                consumismo e do vazio, caminha para o fim e nada podemos fazer? 
                Poderia responder-me, meu caro leitor? O evidente é que o séulo 
                21 começou muito mal. Se abriu uma nova era, a do terrorismo. 
                E nao se trata somente de Al Qaeda. Existe como um culto ao massacre. 
                O século anterior foi dominado por uma espécie de concurso de 
                pesadelos. A Guerra Fria poderia ter acabado com a aventura humana, 
                porém nao foi assim. Agora sabemos que o mundo dito civilizado 
                terá que sofrer ainda muitas atrocidades. Prepare-se, a violenta 
                fera do mal está solta e esfomeada.
                
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