Letras 
                Provincianas
                (por Wilson Martins)
                
                Trata-se da questão preliminar 
                no problema das literaturas estaduais, figura de espírito sem 
                realidade própria.
                
                Um livro, escreveu José Veríssimo na introdução à História da 
                literatura brasileira, “pode constituir uma obra, vinte podem 
                não fazê-lo. São obras e não livros, escritores e não meros autores, 
                que fazem e ilustram uma literatura”. Aplicando o critério à História 
                da literatura brasiliense (Brasília: Thesaurus, 2005), de Luiz 
                Carlos Guimarães da Costa, pode-se perguntar se existe, de fato, 
                a entidade a que se refere, apesar e até por causa dos autores 
                que recenseou em tal abundância que dela faria, por definição, 
                uma das mais ricas do mundo “desde que há homens e que escrevem”, 
                como diria La Bruyère. 
                
                Trata-se da questão preliminar no problema das literaturas estaduais, 
                figura de espírito sem realidade própria, existindo não nelas 
                mesmas, mas na exata medida em que os seus autores passam a integrar, 
                em termos de qualidade e importância, os quadros gerais da literatura 
                nacional. Tentando transpor, por instinto, essa barreira invisível, 
                os autores brasileiros fizeram das antologias a sua espécie editorial 
                característica e sistemática, apresentando-se em conjunto como 
                forma de vivência, sobrevivência e afirmação, no que se diluem, 
                por inesperado, no tipo de expressão que escolheram. Em Brasília 
                e e qualquer parte a antologia é um instrumento didático cujo 
                princípio nega, por implicação, a própria idéia de literatura 
                como sistema autônomo de obras. 
                
                É por esse recurso quase epigramático (se há obras “antológicas” 
                as outras deixam de ser literárias) que Luiz Carlos Guimarães 
                da Costa organizou os autores brasilienses: antologias de contos 
                e crônicas, antologia de poesias, escritores participantes em 
                antologias, entidades criada e outras iniciativas, a história 
                já registrada, as maiores contribuições, galerias de ícones, ícones 
                vivos e memorial das letras brasilienses. Façamos justiça, como 
                é devido, ao seu esforço recenciativo: “Uma cabeça muito pensante 
                e atuante”, escreve ele, “que tem garantido a elevada qualidade 
                de boa parte das antologias coletivas (sic) de prosa e de poesia 
                editadas na Cidade, com seus maiores expoentes exibindo obra individuais 
                de primeiro nível no país, merecedoras dos maiores prêmios literários 
                e de elogios os mais diversos dos principais críticos de todos 
                os grandes jornais brasileiros”. 
                
                É o que em lógica se chama de contradição nos seus próprios temos, 
                pois revela que os valores individuais, os “ícones” de usa terminologia 
                algo retórica, destacam-se dos pelotões gregários para afirmar-se 
                por conta própria. Além das antologias e com a mesma significação 
                estratégica, as associações defensivas e reivindicativas em que 
                se congregam: “Um tronco bem fortificado (sic) ... nas instituições 
                que permitiram à literatura brasiliense sedimentar-se ... nas 
                iniciativas de cunho literário – palestras, debates, lançamentos 
                editoriais, saraus poéticos e outras – na Associação Nacional 
                de Escritores – ANE, no Centro Cultural do Banco do Brasil ... 
                no Coletivo de Poetas e outras ... organismos como o Sindicato 
                dos Escritores do DF ... e a Academia Taguatingüense de Letras”, 
                formam a rede coletiva em que todos reivindicativamente se coletivizam. 
                
                
                Tudo isso não vai sem a institucionalização do elogio mútuo, erva 
                daninha que inevitavelmente se desenvolve em terras acadêmicas, 
                fertilizada pelas antologias e associações. A posteridade saberá 
                identificar os seus nessa legião de nomes brotando na camaradagem 
                literária – porque a República das Letras, em Brasília e alhures, 
                é, antes de mais nada, a República dos Camaradas: como dizia ainda 
                o incorruptível José Veríssimo, “a mediocridade tem também os 
                seus admiradores” – e admiradores sinceros, é preciso reconhecer. 
                Há também os que, por temperamento, preferem praticar a crítica 
                da tolerância, se as duas palavras não colidem por se encontrarem 
                juntas. É o caso das resenhas jornalísticas de Anderson Braga 
                Horta, um dos “ícones” brasilienses vivos destacados por Luiz 
                Carlos Guimarães da Costa (Testemunho & participação. Brasília: 
                Thesaurus, 2005). 
                
                Ao contrário do que afirmava um postulado célebre, a verdade é 
                que, em perspectivas críticas, os poetas não devem ser lidos como 
                poetas, dado o natural constrangimento pessoal e as incompatibilidades 
                de gosto e cultura, inimigos natos da objetividade judicativa. 
                A tendência evasiva, como, por exemplo, nas resenhas de Anderson 
                Braga Horta, é contornar as dificuldades pelo espírito de benevolência 
                ou, ainda, pelo mal inspirado propósito de incentivar os autores 
                deficientes. Será cruel, mas a justificação da atividade crítica 
                não é estimulá-los, mas, justamente, desencorajá-los sem hesitação. 
                
                
                Nessas perspectivas, seria interessante averiguar, para além das 
                peculiaridades individuais de gosto, cultura e temperamento, quantos 
                e quais dos poetas resenhados por Anderson Braga Horta resistiram 
                ao atrito dos anos. É experiência a fazer: como se situam atualmente 
                em nosso quadro de valores poetas como Olney Borges Pinto de Souza, 
                Milton de Godoy Campos, Ilka Brunhilde Laurito, Cyro Pimentel, 
                Paulo Nunes Batista, Domingos Psoliello, José Montenegro Cavalcante, 
                Hélio Lopes, Pedro Macário, Idelma Ribeiro de Faria, Henrique 
                Wagner... para citar ao acaso – em contraste com Cruz e Sousa. 
                Geir Campos, José Chagas, Francisco Carvalho, Lêdo Ivo ou Ivan 
                Junqueira, também lembrados ao acaso? 
                
                Claro, sendo acima de tudo, poeta a mestre das técnica de versificação, 
                suas resenhas bibliográficas são apenas uma atividade ocasional 
                e secundária em seu trabalho de escritor. É incomum o seu domínio 
                do instrumento, para nada dizer do convívio com a grande poesia 
                universal, por onde se destaca dos que acreditam que tudo isso 
                já está superado. Muitos dos que ele resenhou com cética bonomia 
                ganhariam em lê-lo e aprender com ele, se é que, de fato, devemos 
                encarar a literatura em sua substância profunda como arte literária. 
                A poesia, escreve ele, “é até de fazer versos”, provando, talvez 
                sem pensar nisso, que não raro a sabedoria está no óbvio. 
                
                Fonte: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernos/ideias/2006/03/10/joride20060310008.html
                
                
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