Imagine passar um dia no ateliê 
                  de J. Borges, nome reconhecido internacionalmente na área da 
                  xilogravura e do cordel, com direito a um bom bate-papo e cafézinho 
                  servido no bule. Quem veio ao 3º FestiSESI teve essa chance. 
                  Borges deu aulas na oficina de xilogravura, e entre um desenho 
                  e outro, conversava animadamente com seus alunos. Lá pelo meio 
                  da tarde, horário de visita, chega Jeová Franklin, pesquisador 
                  e organizador da exposição "100 Anos de Xilogravura no Cordel", 
                  também no FestiSESI.
                  
                  Conversa vai, conversa vem, Borges falou de sua estadia em uma 
                  universidade texana, onde ele deu aulas por algumas semanas. 
                  E ironiza: "não dá pra acreditar em um cearense semi-analfabeto 
                  dando aulas nos Estados Unidos". A ida ao exterior foi consequência 
                  da reputação de mestre da xilogravura, fama que Borges agradece 
                  ao amigo Ariano Suassuna: "É que Suassuna saiu espalhando que 
                  eu era o melhor gravador do Nordeste e o povo acreditou". E 
                  aí, seu trabalho falou por si e J. Borges tornou-se sucesso 
                  universal, tanto popularmente - folhetos como "A Chegada da 
                  Prostituta no Céu" venderam tiragens na casa dos milhões - como 
                  na academia, onde a xilogravura era redescoberta como expressão 
                  artística. 
                  
                  A fama não subiu à cabeça. Pra quem já foi carpinteiro, pedreiro 
                  e vendedor de jogo do bicho, "entre outras coisas", a simplicidade 
                  está impressa em cada gesto. Quando uma das alunas pediu que 
                  ele lesse um cordel, ele não se fez de rogado, apesar da obra 
                  não ser dele. Era "A Epopéia de Manoel Esmeraldo e Vicencinha", 
                  de Gustavo Dourado. O poeta, que aprendeu a ler e escrever 
                  justamente com os folhetos de cordel, começou: "Foi em Santana 
                  do Cariri...".
                  
                  Sempre esculpindo um pequeno pedaço de madeira que tinha em 
                  mãos, Borges mostrou que entende não só de versos e gravuras, 
                  mas também da história de sua arte. Com concisão, ele contou 
                  que a xilogravura é uma arte vinda da China há quase três mil 
                  anos, mas que se firmou principalmente na Europa como método 
                  de impressão. Quando as coloridas xilogravuras japonesas chegaram 
                  na Europa, a arte se reavivou, influenciando diversos artistas 
                  e chegando ao Brasil. Aqui, ela foi utilizada para ilustrar 
                  jornais, caixas de produtos e até rótulos de cachaça, quando 
                  os repentistas viram na técnica uma maneira barata e eficiente 
                  de incrementar seus folhetos. Nascia o cordel como o conhecemos.
                  
                  Falando em nascimentos, ao fim da aula Borges havia terminado 
                  de trabalhar. Agora, uma asa branca, o pássaro imortalizado 
                  por Luiz Gonzaga, voava no céu de madeira esculpido pelas mãos 
                  do mestre. Alguns alunos também já terminavam seus trabalhos: 
                  cangaceiros, bandeiras e flores estavam pendurados em barbantes 
                  ao longo das paredes da sala. Elogiados por Borges e por Franklin, 
                  os alunos aguardavam orgulhosos suas obras secarem. Alguns aproveitaram 
                  para tirar cópias da Asa Branca e do Cavalinho, que Borges havia 
                  feito no dia anterior, sem esquecer do autógrafo.
                  
                  Por fim, alguém sugeriu que os moldes de madeira fossem sorteados, 
                  ao que Borges concordou. Jeová Franklin, como pesquisador isento, 
                  ficou encarregado do sorteio. Entre os alunos na sala, foram 
                  distribuídos os originais da Asa Branca e do Cavalinho, além 
                  de um exemplar do livro "J. Borges por J. Borges", lançamento 
                  da editora UnB. O repórter não deu sorte, mas o sorriso no rosto 
                  dos três felizardos confirma a fama de gravador do mestre: a 
                  marca indelével da cultura popular.