Aos quatorze dias do mês de março, 
                  no ano de 1847, nasceu Antônio de Castro Alves, na fazenda Cabaceiras, 
                  a sete léguas da vila de Curralinho, hoje cidade de Castro Alves. 
                  Era filho do Dr. Antônio José Alves e D. Clélia Brasília da 
                  Silva Castro. Passou a infância no sertão natal, e em 54 iniciou 
                  os estudos na capital baiana. Aos dezesseis anos foi mandado 
                  para o Recife. Ia completar os preparatórios para se habilitar 
                  à matrícula na Academia de Direito. A liberdade aos 16 anos 
                  é coisa perigosa. O poeta achou a cidade insípida. Como ocupava 
                  os seus dias? Disse-o em carta a um amigo da Bahia: "Minha vida 
                  passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco fumando 
                  muito. O meu ‘cinismo’ passa a misantropia. Acho-me bastante 
                  afetado do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. 
                  De vez em quando vou à Soledade." Que era a Soledade? Um bairro 
                  do Recife, onde o poeta tinha uma namorada. O resultado dessa 
                  vadiagem foi a reprovação no exame de geometria. Mas em 64 consegue 
                  o adolescente matricular-se no Curso Jurídico. Se era tido por 
                  mau estudante, já começava a ser notado como poeta. Em 62 escrevera 
                  o poema "A Destruição de Jerusalém", em 63 "Pesadelo", "Meu 
                  Segredo", já inspirado pela atriz Eugênia Câmara, "Cansaço", 
                  "Noite de Amor", "A Canção do Africano" e outros. Tudo isso 
                  era, verdade seja, poesia muito ruim ainda. O menino atirava 
                  alto. "A poesia", dizia, "é um sacerdócio — seu Deus, o belo 
                  — seu tributário, o Poeta." O Poeta derramando sempre uma lágrima 
                  sobre as dores do mundo. "É que", acrescentava, "para chorar 
                  as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar a humanidade 
                  — a poesia." Mas, no dia 9 de novembro de 1864, ao toque da 
                  meia-noite, na sotéia em que morava, o poeta, que sem dúvida 
                  se balançava na rede, fumando muito, sentiu doer-lhe o peito, 
                  e um pressentimento sinistro passou-lhe na alma. Pela primeira 
                  vez ia beber inspiração nas fontes da grande poesia: essa a 
                  importância do poema "Mocidade e Morte" na obra de Castro Alves. 
                  Uma dor individual, dessas para as quais "Deus criou a afeição", 
                  despertou no poeta os acentos supremos, que ele depois saberá 
                  estender às dores da humanidade, aos sofrimentos dos negros 
                  escravos (O Navio Negreiro), ao martírio de todo um continente 
                  (Vozes d'África). Não era mais o menino que brincava de poesia, 
                  era já o poeta-condor, que iniciava os seus vôos nos céus da 
                  verdadeira poesia. Naquela mesma noite escreve o poema, tema 
                  pessoal, logo alargado na antítese mocidade-morte, a mocidade 
                  borbulhante de gênio, sedenta de justiça, de amor e de glória, 
                  dolorosamente frustrada pela morte sete anos depois.
                  
                  Biografia A versão primitiva do Poema foi conservada em autógrafo, 
                  documento precioso porque revela duas coisas: o poeta não se 
                  contentava com a forma em que lhe saíam os versos no primeiro 
                  momento da inspiração; na tarefa de os corrigir e completar 
                  procedia com segura intuição e fino gosto. Cotejada a primeira 
                  versão com a que foi publicada pelo poeta em São Paulo, por 
                  volta de 68-69, verifica-se que todas as emendas foram para 
                  melhor. Baste um exemplo: o sexto verso da segunda oitava era 
                  na primeira versão "Adornada" com os prantos do arrebol, substituído 
                  na definitiva por "Que" banharam de prantos as alvoradas, verso 
                  que forma com o anterior um dístico de raro sortilégio verbal.
                  
                  "vem! formosa mulher — camélia pálida,
                  Que banharam de pranto as alvoradas". 
                  
                  Quase a meio do curso, em 67, o poeta, apaixonado pela portuguesa 
                  Eugênia Câmara, parte com ela para a Bahia, onde faz representar 
                  um mau drama em prosa — "Gonzaga" ou a "Revolução de Minas". 
                  Era sua intenção concluir o bacharelato em São Paulo, aonde 
                  chegou no ano seguinte. A sua passagem pelo Rio assinalou-se 
                  pelos mesmos triunfos já alcançados em Pernambuco. Em São Paulo, 
                  nos fins de 68, feriu-se num pé com um tiro acidental por ocasião 
                  de uma caçada, do que resultou longa enfermidade, em que teve 
                  o poeta que se submeter a várias intervenções cirúrgicas e finalmente 
                  à amputação do pé. O depauperamento das forças conduziu-o à 
                  tuberculose pulmonar, a que sucumbiu em 71 no sertão de sua 
                  província natal. Antes de regressar a ela, publicara, em 70, 
                  o livro "Espumas Flutuantes", cantos por ele definidos como 
                  rebentando por vezes, ao estalar fatídico do látego da desgraça", 
                  refletindo por vezes "o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo".
                  
                  Vulgarmente melodramático na desgraça, simples e gracioso na 
                  ventura, o que constituía o genuíno clima poético de Castro 
                  Alves era o entusiasmo da mocidade apaixonada pelas grandes 
                  causas da liberdade e da justiça — as lutas da Independência 
                  na Bahia, a insurreição dos negros de Palmares, o papel civilizador 
                  da imprensa, e acima de todas a campanha contra a escravidão. 
                  Mas este último tema não figurava nas "Espumas Flutuantes". 
                  As composições em que o tratava deveriam formar o poema "Os 
                  Escravos", o qual teria como remate "A Cachoeira de Paulo Afonso", 
                  publicada postumamente. Deixava ainda o poeta outras poesias 
                  avulsas, que era seu propósito reunir em outro livro intitulado 
                  "Hinos do Equador".
                  
                  Ao livro "Os Escravos" pertenceriam "Vozes d'África" e "O Navio 
                  Negreiro", os dois poemas em que o poeta atingiu a maior altura 
                  de seu estro. O primeiro é uma soberba apóstrofe do continente 
                  escravizado, a implorar justiça de Deus. O que indignava o poeta 
                  era ver que o Novo Mundo, "talhado para as grandezas, pra crescer, 
                  criar, subir", a América, que conquistara a liberdade com formidável 
                  heroísmo, se manchava no mesmo crime da Europa.
                  
                  No "O Navio Negreiro" evocava o poeta os sofrimentos dos negros 
                  na travessia da África para o Brasil. Sabe-se que os infelizes 
                  vinham amontoados no porão e só subiam ao convés uma vez ao 
                  dia para o exercício higiênico, a dança forçada sob o chicote 
                  dos capatazes.
                  
                  
Em 
                  Castro Alves cumpre distinguir o lírico amoroso, que se exprimia 
                  quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade, 
                  como no formoso quadro do poema "Adormecida", o poeta descritivo, 
                  pintando com admirável verdade e poesia a nossa paisagem, tal 
                  em "O Crepúsculo Sertanejo", cumpre distingui-lo do épico social 
                  desmedindo-se em violentas antíteses, em retumbantes onomatopéias. 
                  A este último aspecto há que levar em conta a intenção pragmática 
                  dos seus cantos, escritos para serem declamados na praça pública, 
                  em teatros ou grandes salas —, verdadeiros discursos de poeta-tribuno. 
                  E há que reconhecer nele, mau grado os excessos e o mau-gosto 
                  ocasional, a maior força verbal e a inspiração mais generosa 
                  de toda a poesia brasileira.