A 
                legião estrangeira
                (por Luiz Zanin 
                - Estadão - Coluna BOLEIROS - 04-07-2006)
                
                Há cenas recorrentes que as TVs têm mostrado e perturbam meu sono. 
                Final de jogo entre Brasil e França. Ronaldinho cumprimenta efusivamente 
                Zinedine Zidane. Robinho vem quase correndo para o beija-mão do 
                craque da partida e se atira no pescoço de Zizou para lhe dar 
                os parabéns. Corte para a arquibancada do estádio em Frankfurt, 
                onde uma torcedora, desolada, chora a derrota ao lado do marido. 
                Soube depois que o Cris foi ao vestiário francês participar da 
                festa. Tudo isso é fair play ou outra coisa? Essa seqüência de 
                imagens e fatos diz tudo, torna quase redundante qualquer comentário.
                
                Pela primeira vez em sua história, a seleção brasileira jogou 
                com 100%, ou quase isso, de jogadores que atuam na Europa. Dos 
                convocados, apenas três reservas - Rogério Ceni, Ricardinho e 
                Mineiro - jogam no Brasil. Essa primeira experiência com uma seleção 
                totalmente "estrangeira" também quase não pede comentários. Seus 
                resultados, sua atitude e maneira de jogar falam por si sós.
                
                Temos o hábito, no Brasil, de ruminar as Copas perdidas, e desta 
                vez não será diferente. E o que podemos aprender desta Copa da 
                Alemanha? Por exemplo, que não podemos nos fiar na pseudo-realidade 
                criada pela publicidade? Esperamos de Ronaldinho Gaúcho um desempenho 
                de super-herói, como se a Copa do Mundo fosse a continuação de 
                um comercial da Nike. Antes dela, foi comparado a Pelé. Por que 
                não nos revoltamos com esse absurdo? Esperamos de Kaká a fibra 
                e o espírito de grupo de um autêntico jogador europeu, um "uomo 
                squadra", como dizem na Itália, onde ele estaria na reserva caso 
                jogasse como na seleção. Esperamos que a obsessão por recordes 
                individuais estimulasse jogadores realizados, como Cafu, Ronaldo 
                e Roberto Carlos, e que essa motivação resultaria em benefício 
                para o grupo. Nos fiamos no preconceito de que o interesse individual 
                produz o bem coletivo. De onde tiramos essa ficção? Esperamos 
                pela orquestra afinada daquela outra peça publicitária, o tal 
                do "Joga bonito", sem lembrar que para estar afinado e jogar bonito 
                dentro de campo é preciso trabalho, treino, dedicação. Esperamos, 
                esperamos, esperamos. A culpa também é nossa. Somos culpados pela 
                nossa inocência.
                
                Deveríamos ter tido a lucidez de enxergar o que existe por trás 
                de tanta badalação, de tanto oba-oba, de tanta enganação, de tanta 
                vaidade. Esperamos que saísse futebol desse grupo imaturo, cheio 
                de brinquinhos, adereços, mechinhas nos cabelos e bandanas de 
                grife, de plumas e paetês, de relógios de pulso que custam mais 
                que um apartamento, de sapatilhas coloridas. Cadê a boa e velha 
                chuteira preta? Saiu de moda? 
                
                Deveríamos ter assumido, com coragem, a dura opção de não crer. 
                Ah!, mas como é difícil ser lúcido no Brasil. Quantos cronistas 
                não foram execrados por escrever ou dizer o que estava na cara 
                de todo mundo desde o início da Copa - que o Brasil não estava 
                jogando bulhufas? Só faltou acusar de impatriótico quem via os 
                defeitos da seleção. Ou nem isto faltou, porque também foi dito. 
                Como se os críticos estivessem torcendo contra a seleção, quando 
                apenas diziam ou escreviam o que todos estavam vendo. 
                
                E o que "aprendemos", para valer, com esta Copa perdida? Que não 
                adianta colocar na seleção um técnico que não tenha o menor apreço 
                pelo futebol brasileiro? Lembrem, para ficar apenas em um episódio, 
                que Parreira foi grande incentivador da saída de Robinho do Santos 
                para o Real Madrid, pois isto seria "bom para ele e para a seleção". 
                Aprendemos que não adianta formar uma seleção de estrelas mimadas 
                se estas não mostram qualquer amor pela camisa que vestem? Aprendemos 
                que é preciso primeiro cuidar da qualidade do jogo aqui dentro 
                do Brasil para que a seleção seja expressão desse futebol e não 
                daquele que se joga na Europa? Será que nós, cronistas, e a CBF 
                aprenderemos isto algum dia? Ou vamos continuar com esse ufanismo 
                tolo de dizer que aqui "brotam talentos" como couves e portanto 
                podemos deixar os clubes à míngua e exportar quantos pudermos 
                para depois reuni-los e formar uma bela seleção "brasileira"? 
                
                
                Todos já haviam dito e escrito que esta seria a primeira seleção 
                "estrangeira" (assim, entre aspas) que iria disputar uma Copa 
                do Mundo. Pois bem, basta tirar as aspas da palavra na frase anterior 
                para entender basicamente o que aconteceu. A seleção é mesmo estrangeira. 
                Tornou-se estranha a nós. Não vibrou, não teve gana nem fibra, 
                e nem mesmo sofreu com a derrota, pelo menos não como nós e a 
                torcedora na arquibancada de Frankfurt sofremos. O resto é conversa 
                mole. Ou silêncio e pausa para reflexão. 
                
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